Era horário de almoço, naquele dia já tínhamos almoçado mais cedo, o que raramente acontece por aqui. Fui para o meu quarto e me deitei na cama para descansar um pouco. Peguei meu celular e a bateria estava quase acabando, mas percebi que havia mensagens. Era mensagem de uma amiga, perguntando se eu poderia dar-lhe um conselho. Eu respondi que sim, então ela me enviou sua questão: “Keila, já aconteceu com você de sentir medo da morte? Esses pensamentos têm vindo à minha mente depois que virei mãe. Fico imaginando se eu morrer, o que pode acontecer com minhas filhas? Eu não deveria pensar assim, não é? Eu sou crente, mas me pego muitas vezes com medo de morrer ou de acontecer algo. Antigamente eu não era assim, eu era destemida, fazia rapel, mas agora não. Será que é normal?”
Eu precisei fazer uma pausa na conversa, pois a bateria estava quase acabando, talvez o Senhor tenha deixado eu refletir um pouco sobre aquilo antes de responder a minha amiga. Eu disse para ela: “Amiga, já te respondo, vou dar uma carga no celular.” Ela prontamente me respondeu que não havia problema e me contou que estava fazendo um brigadeiro de micro-ondas, mas que não havia dado certo e enviou uma foto. Coisas da vida! Talvez você possa se perguntar o porquê de eu mencionar essa parte curiosa do brigadeiro, e como isso se relaciona com a pergunta da minha amiga, eu te respondo: Nada! Mas se eu fiquei com vontade de comer brigadeiro, você também ficará. Na verdade, eu precisava fazer essa pausa para te convidar a abrir no Salmo 19 e meditar comigo nessa maravilhosa Palavra. Se você ficar até o final, saberá o que eu respondi a minha querida amiga.
“1 Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.2 Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.3 Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som.4 No entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras chegam até os confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol,5 que é como um noivo que sai dos seus aposentos, e se alegra como um herói a percorrer o seu caminho.6 Principia numa extremidade dos céus, e até a outra vai o seu percurso; e nada pode se esconder do seu calor.” Salmo 19.1-6 NAA
A voz da criação
Não sei se você sabe, mas na poesia hebraica não existe rima e sim ritmo. E umas das características importantes da poesia hebraica é a repetição de ideias a qual nós chamamos de paralelismo. Se você fizer uma leitura atenta verá essa repetição acontecendo ao longo do Salmo. Há vários tipos de paralelismo, mas aqui, neste Salmo, nós encontramos tanto o Paralelismo Sinonímico quanto o Paralelismo Sintético. Dos versos 1-6 ocorre o Paralelismo Sinonímico que consiste em expressar duas vezes a mesma ideia com palavras diferentes. Veja: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.” - Palavras diferentes, mas com a mesma ideia.
Deixe-me tornar o aprendizado mais claro: O recurso utilizado por Davi, ao escrever este Salmo, tem por objetivo enfatizar para nós leitores, embora os Salmos fossem cantados, a mesma ideia duas vezes. Por que isso é importante? Porque nos dá uma visão mais ampla do que o Salmista nos quer transmitir.
Sabendo disso, o que o Salmista quer nos dizer nestes versos (1-6)? Ainda que não haja linguagem, palavras ou som, existe uma voz, é a voz da criação e ela revela uma mensagem: Deus revela a sua Glória por meio da criação. O verso 4 diz: Por toda a terra se faz ouvir a sua voz e as suas palavras chegam aos confins do mundo. Davi nos faz olhar para a criação, mais especificamente para o Sol. Se você é como eu, deve amar o pôr do sol ou o nascer do sol. Eu já tive o privilégio de ser acordada justamente na hora do sol nascer, é um dos espetáculos maravilhosos que podemos presenciar. Durante todo o dia o sol ilumina e aquece e pode ser visto por nós durante todo o dia, e mesmo a noite seus raios refletem na lua, trazendo luz em meio a escuridão. É bem provável que você já tenha experimentado a escuridão em sua maternidade e seus olhos não conseguiam ver a luz. Era difícil até mesmo perceber que as estrelas e a lua iluminavam o céu escuro, parecia que nem elas davam o ar da sua graça.
Quem nunca esteve por um momento, espiritualmente cego? Tão certo como o sol ilumina a terra durante o dia, somente o Espírito Santo pode iluminar nossa alma, e se ele não o fizer “todos os sóis da via láctea não valem de nada.” (Spurgeon). Talvez, a escuridão acaba de chegar por aí, mas saiba que nos dias alegres da maternidade ou nos dias mais sombrios, o Invisível, mas real, estará sempre presente. Assim como o Sol percorre os céus durante o dia, iluminando e aquecendo a terra, e nós nem nos damos conta de que ele faz isso, dia após dia, o Senhor traz luz ao coração perdido na escuridão. E a criação nos revela a sua Glória. Olhe para a criação, ela está te dizendo isso e nem ao menos tem usado palavras para expressar.
A voz da Palavra
7 A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do senhor é fiel e dá sabedoria aos simples.8 Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos.9 O temor do Senhor é límpido e permanece para sempre; os juízos do Senhor são verdadeiros e todos igualmente, justos.10 São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.11 Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar há grande recompensa. Salmo 19. 7-11 NAA
Embora a criação fale sobre a glória de Deus, é certo que ela não é suficiente para trazer fé ao coração incrédulo. É somente a Palavra que pode trazer Luz ao coração perdido na escuridão. Olhe para os versos 7-11 do Salmo 19. Aqui o Salmista usa outro Paralelismo, o Paralelismo Sintético que ocorre uma relação de causa e efeito, ou seja, a declaração da primeira linha serve de base sobre a qual a segunda parte do verso se fundamenta. As duas linhas do verso não dizem a mesma coisa, mas respondem umas às outras. Veja: “A lei do Senhor é perfeita” – esta é a causa e qual o efeito? “Restaura a alma.” Não é fascinante esse jogo de palavras? Essa é a função do paralelismo, trazer ritmo à poesia. Imagine esse Salmo cantado. Essas verdades sendo expressas em canção, daquelas que te vem à memória sem o menor esforço.
Percebam também, que nesse trecho o Salmista refere-se à Palavra usando seis tipos de sinônimos: Lei – que é instrução; testemunho – o que o Senhor reconhece como verdadeiro; preceitos – aplicáveis aos pequenos detalhes da vida; mandamento – para serem obedecidos; temor – digno de reverência; juízos – decisões tomadas com autoridade. Algumas qualidades são atribuídas a estes sinônimos: perfeita – em todos os aspectos; fiel – confiável, em sua integridade; reto – correto, dotado de retidão moral; puro – sem contaminação; límpido – de pureza aceitável a Deus; durável – permanece para sempre; verdadeiros e justos – verídicos e corretos; desejáveis e doces – cheio de valor e cheios de alegria.
Quando percebemos a grandeza da Palavra de Deus, podemos ter certeza de que ela restaura, ou seja, reconstroi a vida verdadeira que por algum momento estava devastada pela tristeza. Que ela instrui ao incrédulo, quando as incertezas tomam conta do coração. Ela ensina e traz alegria para aqueles que estão desfalecidos. A Palavra mostra a graça de Deus. E como Spurgeon disse: “louvor e oração se combinam e aquele que aqui canta a obra de Deus no mundo exterior roga por uma obra da graça em seu mundo interior.”
Os versos 1-6 enfatizaram a grandeza do Sol iluminando e trazendo calor – nada pode se esconder do seu calor. A Bíblia nos fala que Jesus é a Palavra, o Verbo encarnado. É para Ele que devemos olhar quando encontramos escuridão em nosso maternar. A Voz da palavra proclama Aquele que é perfeito, reto, fiel, puro, justo, que permanece para sempre, que nos instrui e corrige. Aquele que é digno de ser temido e que nos traz a alegria verdadeira. Jesus é o sol que ilumina as incertezas do nosso coração. “Até o sol brilha a luz tomada do grande Pai das Luzes.” (Spurgeon)
A voz do pecador
“12 Quem há que possa discernir as suas próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.13 Também da soberba guarda o teu servo; que ela não me domine. Então serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.14 As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!” Salmo 19.12-14 NAA
Quando minha amiga me questionou naquele dia e pediu o meu conselho, eu lembrei que meu maternar foi permeado pelo medo da morte. Um aborto espontâneo na primeira gravidez, as convulsões febris que o Caleb teve quando bebê, uma ameaça de aborto na gravidez do Benjamim e uma profunda tristeza após o nascimento do Timothy que me fazia querer a morte.
Por vezes, mergulhei na escuridão, e todas essas dúvidas vinham da minha própria incredulidade. Era o desviar dos meus olhos da certeza do amor de Cristo, para as circunstâncias dolorosas que eu estava vivendo. Mas tão certo como o sol brilha no céu, Cristo continuava brilhando, ainda que a minha cegueira espiritual não me deixasse enxergar. Como eu poderia compreender as minhas faltas, eu estava angustiada pela perda, amedrontada pela doença, assustada pelo medo de vivenciar o luto novamente e orgulhosa pelo fato de já ser mãe duas vezes, então a terceira para mim seria moleza. O que eu não compreendia é que deveria existir harmonia entre o meu coração e aquilo que eu professava para ser agradável a Deus. Enquanto eu dizia servir a Cristo, meu coração se aprofundava nas incertezas me fazendo desprezar o amor e cuidado de Deus. Mas a Palavra, foi um colírio para os meus olhos, me fazendo ver outra vez a esperança em Cristo.
Eu respondi para minha amiga que tudo isso se chama MATERNIDADE e apontei para a esperança que há em Cristo. Eu a aconselhei a olhar para esses pensamentos sobre medo da morte como o meio que Deus estava usando para lembrá-la que ninguém tem o controle de nada nessa vida, e como pecadoras que somos, temos a falsa ideia de acharmos que controlamos alguma coisa. Nós não podemos controlar a morte, mas podemos lutar contra os pensamentos de morte dependendo da graça e a misericórdia de Cristo, aquele que sustém o mundo em suas mãos.
O Salmo 19 se inicia nos mostrando que a criação anuncia a Glória de Deus sem palavra alguma, mas ele encerra nos mostrando que nós, como criaturas do Senhor, podemos por meio de sua Palavra, anunciar a Redenção. Portanto, lembre-se: em seu maternar, somente Cristo pode te tirar das trevas para a LUZ, olhe para Ele, e que suas palavras e o meditar do seu coração sejam agradáveis ao Senhor!
Obras consultadas:
A Interpretação Bíblica – Roy B. Zuck
Bíblia Nova Almeida Atualizada - NAA
Comentário Bíblico Vida Nova – D. A. Carson
Os Tesouros de Davi, Volume 1 – Charles H. Spurgeon
Sempre me pego tento o mesmo tipo de pensamento: se eu morrer ou pior, se meus filhos morrerem? Estou tentando vencer isto por meio da Palavra de Deus e confiando em seu Amor e Onisciência. Que possamos continuar confiando na bondade de Deus em nossa jornada materna.