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Writer's pictureCamila Lazzarotto

Relato de Parto - Síndrome de Hellp

Alerta de gatilho: o relato a seguir contém detalhes de dificuldades experimentadas durante um parto longo e complexo.


“Quero ter meus filhos no Brasil”, disse esta mãe que vos escreve quando disse sim ao desejo do marido de ir ao Canadá um ano depois que nos casamos, em 2016. O Ed - meu marido - falava nisso já fazia um bom tempo. Queria muito ter uma experiência fora do país. Eu, que já havia morado no Canadá servindo em um acampamento cristão, disse que toparia ir com a condição de ter meus filhos no Brasil. Eu não queria passar por um parto em outro país, longe da minha mãe e da minha rede de apoio. Ele prontamente disse sim e logo tivemos a oportunidade de irmos ao acampamento na ilha de Vancouver. Achei que a oportunidade seria ótima para crescermos juntos espiritualmente e construirmos um casamento em Cristo.

 

Quando chegamos lá, no mês de julho, não demorou muito pra eu começar a falar em engravidar. Mas calma, deixa eu te contar o cenário por trás disso: o nosso desejo era ficar naquele país por até dois anos. Nós havíamos descoberto algumas questões um tempo antes e dois médicos nos falaram que, se eu conseguisse engravidar do meu marido, demoraria muito tempo. Como amante de um bom planejamento, já anotei na lista: “bom, se eu quero chegar no Brasil grávida ou, pelo menos, quase grávida, devo começar a me preparar”. O marido, recém chegado no modo “estou vivendo meu sonho”, ficou meio perdido com o tópico que começou a se repetir até que eu usei o argumento chave: “nós não acreditamos que Deus tem um plano pra gente? Nós cremos no Seu tempo, certo? Então! Se Ele quiser que a gente engravide até tomando pílula, vamos engravidar. E se não quiser que a gente engravide… não vamos! Vamos parar logo de tomar essa pílula!”. Ele concordou com o meu argumento e decidimos parar com o nosso método contraceptivo no mês de setembro. Em outubro, descobrimos que eu estava grávida.

 

Comecei a desconfiar e comprei um teste da lojinha de um dólar. Acordei em uma manhã de sábado e fui logo ao banheiro. O tracinho do exame ficou bem clarinho, fiquei na dúvida e saí correndo do banheiro em direção ao marido que ainda nem tinha acordado direito “e aí, você acha que é positivo?”. Ele imediatamente “o que? Você acha que tá grávida? Mas já? Não sei se deu positivo. Como eu vou saber se deu positivo? Acho que não deu positivo. Mas por que você tá desconfiada que tá grávida?” E os muitos questionamentos continuaram! Chegamos à conclusão de que o exame era de qualidade ruim - afinal, custou apenas um dólar. Fomos trabalhar e só no final do dia tivemos tempo de ir em uma farmácia e comprar um exame mais caro! E adivinha só? Deu positivo de novo.

 

O choque foi grande! Dos dois lados! Não sabíamos o que fazer ou como reagir. Foi tudo muito rápido! Mas depois de um dia em completo estado de choque, o Ed falou “quero que a gente veja esse bebê como uma benção. Tanta gente demora tanto tempo pra engravidar, e com a gente foi tão rápido! Não passamos por nenhum tipo de ansiedade. Se Deus mandou agora, que bom! Ele sabe!”

 

Meus planos de ser mãe no Brasil foram por água abaixo. Aquela era a hora e aquele era o lugar. Por que eu disse tantas vezes que queria “crescer espiritualmente com o meu marido”? Achei que isso envolveria ler a Bíblia e orar juntos. Só. Não esperava que Deus iria nos moldar da forma como moldou.



Nós tínhamos duas opções como estrangeiros: escolher uma midwife (uma profissão que existe em outros países como o Canadá, onde a pessoa estuda especificamente para acompanhar o pré-natal, fazer partos e fornecer os primeiros cuidados ao bebê depois do nascimento) ou um obstetra. Ao escolher a midwife, ela me acompanharia durante toda a gestação enquanto o obstetra seria a pessoa de plantão no dia da minha consulta. Além disso, outra diferença entre as duas opções, era que a midwife não podia realizar partos por cesárea - neste caso, ela precisaria chamar um obstetra. Nós acabamos optando pela midwife, principalmente pelo fato de ser a mesma pessoa que nos acompanharia em todo o processo.

 

A nossa midwife trabalhava em dupla com uma outra midwife. Elas eram fantásticas. Tinham muito conhecimento e nos passavam muita segurança em todas as etapas. E era tão interessante, pois a cada mês, nos eram apresentadas algumas opções. Por exemplo, no mês em que normalmente se faz o exame de diabetes gestacional (não sei qual mês é esse!), elas explicaram certinho como o exame funcionaria, quais os prós e os contras em realizar esse exame e, então, eu podia escolher se faria ou não. O argumento delas era sempre o mesmo “o corpo é seu”. Os cuidados com a gestação lá são muito diferentes dos daqui.

 

Ao longo das 40 semanas, é comum fazer duas ecografias para acompanhar o crescimento do bebê. Nós pudemos fazer 3 porque eu tive um sangramento no início da gestação. Eu não podia ver a tela do exame, não é projetada para a mãe como é aqui no Brasil. Mas, no primeiro exame, eu e o Ed começamos a ter um ataque de riso e empolgação e a médica curiosa pela nossa reação. E explicamos: “a senhora falou que a data prevista do parto é 7 de julho, e essa é a data do nosso aniversário, pois fazemos aniversário no mesmo dia!”

 

Minha gestação foi tranquila e saudável. Mas tive muita ansiedade em relação ao meu parto. Sempre quis fazer uma cesárea! Saber o dia exato do nascimento do meu bebê, me preparar para isso, aquela coisa programada, não passar pelas dores intensas do parto… Era isso que eu queria - e isso não é nada comum no Canadá. Toda consulta com a midwife nós falávamos sobre isso, claro! Até que um dia ela disse: “Camila, percebemos que o assunto do seu parto te traz muita ansiedade. Vamos fazer um combinado? Se até o seu oitavo mês você ainda quiser fazer uma cesárea, nós vamos chamar um obstetra aqui e nós vamos juntos programar sua cesárea. Mas, até lá, gostaríamos que você abrisse sua mente e seu coração para um parto natural e escute o que a gente tem pra te falar. O que você acha?”

 

Eu topei na hora e tinha certeza de que não iria aceitar o jeito delas! Falei só pra ser gente boa e aceitar o combinado. Acontece que aquilo ficou na minha cabeça… Tinha dias que eu considerava e outros que eu não queria nem pensar naquilo. Cheguei à conclusão que eu estava dominada pelo medo, não queria que aquele bebê saísse de jeito nenhum! Tinha medo do parto natural e medo da injeção da anestesia peridural (gente, eu tenho fobia de inseto. Claro que eu também tenho medo de agulha). Um dia conversando com a minha mãe ela declarou o óbvio: “bom minha filha, de um jeito vai ter que sair.”

 

Por mais lógica que fosse a frase da minha mãe, elas ecoaram no meu coração e foi a primeira vez que eu entreguei o meu parto ao Senhor, pela minha incapacidade de decidir sozinha. Lembro de estar em pé na cozinha e declarar: “Deus, eu não sei qual é o melhor jeito pra minha filha nascer. Tenho medo dos dois jeitos. Se eu pudesse, eu queria dormir e abrir o olho e minha filha nascer. Vou aceitar fazer o parto natural e creio que o Senhor irá guiar o melhor. Se eu precisar fazer cesárea, vou fazer. Se não, sei que o Senhor vai estar comigo.”

 

Você já consegue imaginar a alegria da midwife, né? “Eu sabiaaaa que você iria topar o natural! Você vai ver só como vai ser especial!” Demos risada juntas mas eu pedi encarecidamente que queria analgesia durante o trabalho de parto.

 

Fomos dormir num sábado à noite, bem cansados e eu havia passado o dia com dores e mal estar. Na madrugada de domingo, uma hora da manhã, acordo com uma sensação esquisita porém maravilhosa: minha bolsa tinha estourado! M-E-U S-O-N-H-O era ter a bolsa estourada! Muito filme essa experiência. Demos boas risadas, foram 3 vezes em que muita água lavou o colchão e o chão! Logo ligamos para a midwife que falou: “notícia ótima! Isso significa que em até 24h sua filha vai nascer! Me liga quando as contrações estiverem de tanto em tanto tempo.” (Não lembro desses detalhes!) Duas horas depois retornamos a ligação pois as contrações já estavam no tempo que ela havia determinado e ela, então, pediu para irmos até o hospital.

 

Chegamos lá e fiquei doze horas em trabalho de parto. Até recebi uma analgesia, mas as dores continuavam intensas. Com 6cm de dilatação ela falou que aquele era o momento de chamar o anestesista para me dar a peridural e perguntou se era isso mesmo que eu queria. “Chama agora, querida!”. O tal do anestesista estava terminando uma cirurgia e disse que já viria ao meu encontro mas, neste meio tempo, pediu que fizessem um exame de sangue em mim. Fizeram e, logo depois, outra enfermeira veio e tirou mais sangue para um novo exame.

 

Entre uma contração e outra, o Ed ao meu lado me ajudando, entraram no meu quarto a minha midwife e uma médica que eu não conhecia. Jane (a midwife) falou que aquela médica era uma obstetra e estava ali porque elas tinham uma notícia pra me dar. O primeiro exame de sangue que fizeram apontou uma contagem de plaquetas de 70 e alguma coisa, o que significava que elas não poderiam me dar a peridural, pois havia o risco de eu ter uma hemorragia depois de colocarem a agulha em mim. (Com as plaquetas baixas, o sangue não coagula). Aparentemente, o “normal” das plaquetas é de no mínimo 100. Ela falou que meu último exame de sangue, no último mês, estava com 300 e pouco. Fiquei chateada por não poder receber minha esperada peridural, mas completamente convencida de que aquele era um motivo mais do que justo. Contudo, o que elas tinham pra me dizer não acabou ali. Elas continuaram: “estranhamos a quantidade de plaquetas e pedimos pra refazerem o exame. 20 minutos depois sua contagem já estava em 50. Também observamos enzimas do seu fígado em seu sangue e isso sinaliza que você está tendo uma síndrome muito rara, chamada Síndrome de HELLP. Você precisa ir para o centro cirúrgico imediatamente e esta obstetra vai realizar sua cesárea com uma anestesia geral.”

 

Eu não tinha certeza se tinha entendido tudo o que elas tinham explicado. Fiquei com medo de meu inglês não ter sido suficiente para entender o que eu precisava entender. Olhei pro Ed e ele estava sem entender direito o que estava acontecendo. O clima no quarto era totalmente de paz. As duas médicas nos passaram muita tranquilidade. Eu olhei pro Ed e falei “amor, lembra aquela nossa conhecida que quase morreu no parto? Então, parece que eu estou tendo algo parecido. Por favor, ligue para os meus pais e peça para eles orarem por mim.” Alguns enfermeiros começaram a levar a minha cama e eu pedi para o Ed ir comigo, mas a Jane disse que não podia.

 

Eu choro toda vez que lembro do momento em que fui levada ao centro cirúrgico e deixei meu marido no corredor, sozinho. Choro de lembrar o relato dele, que disse ter ficado desesperado no corredor, sem saber se me veria novamente e sem saber se nossa filha iria nascer com vida.

 

Ele ligou para a nossa líder do acampamento que, não coincidentemente, estava em um evento com toda a liderança do acampamento naquele dia. Quase 300 pessoas. Ela chamou todos eles para orarem por mim e pela Alice.

 

Entramos no centro cirúrgico e lembro de ter pelo menos 6 pessoas mexendo em mim ao mesmo tempo. A Jane estava quieta, não falava nada, e não soltava a minha mão direita. Alguém mexia no meu braço esquerdo, sentia picadas de agulha mas não sabia o que estava acontecendo. Imagine a cena: muitas contrações, não conseguia me mexer, pessoas mexendo em mim, alguns abriam minhas pernas, outros mexiam na minha barriga… Até que perguntei quem estava mexendo no meu braço esquerdo e ouvi um homem falando “eu sou o anestesista, preciso furar sua artéria para aferir sua pressão com exatidão.”

Essa confusão não deve ter durado mais do que um ou dois minutos. Logo que o anestesista conseguiu o que precisava, todos eles se olharam e disseram que eu iria dormir.

 

Fui acordando e a primeira coisa que ouvi foi alguém gritando “Ela está com a gente! Ela está com a gente!”. Eu sentia uma dor na minha cabeça como nunca havia sentido antes e como nunca senti depois. A dor me imobilizava. Não conseguia abrir meus olhos ou mexer minha boca para responder às perguntas que eles estavam me falando. Fiquei nervosa porque eles me perguntavam se eu conseguia ouvi-los e eu não conseguia responder. Até que consegui mexer o dedão da mão direita e fiz um sinal de positivo. Depois, consegui apontar para a cabeça e eles perceberam que eu estava com muita dor. Quando consegui falar algumas palavras, eu repetia “minha filha, minha filha”. Alguém sussurrou no meu ouvido que ela estava bem, viva, e que os lábios dela eram os mais lindos.



Demorou um pouco (depois me contaram que foi algo em torno de 2 horas) e trouxeram a Alice para eu conhecê-la. Ela veio com uma enfermeira que trouxe também o celular do meu marido e disse “tem um marido lá embaixo que quer muito ver esse primeiro encontro da mãe com a filha” e ela carinhosamente tirou minha primeira foto com a minha filha. Minutos depois tiraram a Alice de mim novamente e me levaram para a UTI, onde fiquei por um dia, para ser monitorada e tomar alguns remédios.



Nas semanas seguintes, fui acompanhada de perto pelas minhas duas midwives. Elas me visitaram praticamente todos os dias durante o primeiro mês de vida da Alice. Nesses encontros, elas iam me contando o que exatamente havia acontecido e a gravidade do que eu vivi. Foram quase 2 semanas depois que a Jane me contou que naquele exato momento em que todos se olharam no centro cirúrgico e disseram que eu iria dormir, a minha pressão arterial estava em 26 por 17. Eles achavam que eu não iria acordar da anestesia geral e, caso por milagre acordasse, que eu teria sequelas gravíssimas.

 

Meses depois eu visitei a casa do meu irmão e, quando eu entrei na sala dele, tinha um porta retrato com aquela foto clássica de maternidade: a mãe deitada na maca, o bebê no meio e o pai do lado. Todos emocionados, o bebê todo sujinho, chorando, naquele cenário de quarto de hospital. Foi aí que percebi que estava vivendo um estresse pós traumático e precisei procurar ajuda para lidar com isso. Eu não conseguia falar ou lembrar do meu parto, chorava muito e a dor de não ter visto a minha filha nascer, de não ter estado lá pra ela nas primeiras 24 horas de vida, de não ter vivido aquilo com o meu marido me consumia. Eu quis muito poder elaborar tudo isso emocionalmente pois essa história não é só minha, ela é também a história de vida da minha filha. Eu queria conseguir contá-la para ela quantas vezes ela perguntasse. Hoje eu consigo falar sobre isso, mas não é a qualquer hora e sempre me traz um pouquinho de dor.

 

Mas, também, hoje essa história me traz muita alegria. Me sinto extremamente amada pelo meu Pai Soberano que cuidou de cada detalhe do nascimento da Alice. Desde a minha ida ao Canadá até a escolha da midwife, Ele cuidou de tudo com muito zelo e amor. O meu marido não pôde estar comigo no centro cirúrgico, mas Jesus estava. Ele levantou um exército de oração por mim, Ele deixou eu dormir no meu parto, Ele fez com que eu acordasse da anestesia, Ele colocou dois amigos brasileiros no mesmo dia lá, para traduzir tudo o que os médicos falavam aos meus pais que não falam inglês, Ele preparou o dia, a hora, o lugar. Ele foi gentil e me conduziu neste processo. Ele foi fiel, pois eu entreguei meu parto nas mãos dEle. Ele me mostrou que eu sempre posso confiar nEle, Ele é o Senhor da minha vida. Amado da minha alma. Termino este relato com uma música, que talvez você já conheça, que fala assim:


“Conheci um grande Amigo

Ele é filho de Deus Pai

O seu nome é Jesus Cristo

E Nele a gente pode confiar

A gente pode, pode confiar

Jesus, Jesus, minha razão de viver,

Nele a gente pode confiar”

 

A Ele toda honra, toda glória e todo louvor! Senhor, Tu és minha razão de viver, sou grata por ter me usado como instrumento para Tua Glória! Pois tudo que sou, tudo que tenho, tudo que acontece em minha vida é Seu, é por Ti e para Ti! Agradeço pela vida da minha filha, por essa benção que o Senhor nos deu e pelo milagre da vida. Te amo, Jesus.

 

Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês", diz o Senhor. Jeremias 29:11



2 Comments


Guest
Apr 07

Chorei demais! Celebrei ao ver o cuidado de Deus com a sua família! A misericórdia de Deus se estendeu por aqui também, louvo a Deus pelo nosso milagre, nossa grande Catarina.

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Guest
Apr 05

Que relato incrível! Que Deus seja louvado por tamanho livramento, pela vida de vocês, família preciosa e amada.

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