Quando descobri a gravidez havia sonhado, na noite anterior, com uma menina; então acreditava que provavelmente eu estava grávida de uma. Mas, então, descobrimos que eu carregava um menino, nosso Judá. Isso gerou em mim um certo desespero, como se eu me sentisse mais apta em ter uma menina do que um menino. Meu filho nem havia nascido e sobre ele já pairavam as sombras da minha história; ele já recebia as projeções de outros afetos meus, e eu chorava só em falar da possibilidade de que ele, um dia, escolheria abandonar a fé, viver caminhos que outros seguiram, fazendo feridas profundas e ainda abertas em meu coração.
Se eu pudesse lhe dar um conselho antes de maternar, meu conselho seria: cure-se! Quando eu e meu marido fazemos aconselhamento a casais, um dos tópicos é falar sobre nossas raízes; a ideia de que carregamos nossas famílias para dentro do casamento. Eu diria ainda que carregamos nossas famílias e suas questões para nossa maternidade.
A falta dessa noção de onde viemos, quais são as mazelas que acometem nossas famílias, nossas mães, pais, irmãos, nos impedem, não somente de elaborar uma autocrítica, mas nos levam a repetir erros ou colocar sobre nossos filhos o pesado fardo de ser a recompensa, o prêmio ou o amor que achamos necessitar. Nossos filhos não podem substituir maridos ruins, irmãos mortos, famílias sem afeto e não podem ser nosso trunfo em meio a inseguranças causadas por nossa história.
Há alguns anos Deus tem me dado a oportunidade de ressignificar algumas questões que acometem a minha família. Ver nossos amados como são não é tarefa fácil, exige certa coragem. Os papéis masculinos em minha casa materna sofrem de algumas mazelas, e elas se atravessaram em meu filho, antes mesmo dele nascer. A angústia, o medo e o choro de ser surpreendida pela tragédia de escolhas erradas ou pela omissão masculina, estão tão arraigadas em minha alma, que me senti totalmente despreparada para ter um filho homem.
Mas... meu filho não terá a mesma família que eu tive, seu referencial masculino em casa será outro, nossas questões serão outras, e sim, há coisas que fogem do meu controle, e por mais que eu me esmere na educação desse menino, ainda assim cabe a mim curar-me para não adoecer meu filho. Preciso continuar reconhecendo as projeções ruins que tocam minha maternidade; o quanto da minha história me fez criar pressupostos que nunca foram sequer repensados, mas que carrego até hoje.
Ah... esse meu maternar... o quanto eu preciso ainda de cura! Como ainda preciso abrir quartos escuros da minha alma e permitir que Deus ilumine, mesmo que seja trazendo à tona coisas com as quais não quero lidar. Vi-me segurando um grande balaio, cheio de coisas afetadas por meus outros afetos, por minha história, e quando Judá chegou, eu apenas o coloquei no meio disso tudo, como mais uma coisa para levar comigo. O problema é que, em menos de dois meses de vida, vi meu filho perdido nesse balaio, misturado a muitas coisas que não lhe dizem respeito, sendo respingado e sufocado por questões que não lhe pertencem.
Estou tirando Judá do balaio; estou tentando libertá-lo de minhas feridas, da sina que elas parecem carregar. Estou tentando me curar, ao ponto que as minhas dores respinguem o mínimo possível em meu filho, porque certamente teremos, eu e ele, nossas próprias dores, nossas próprias mazelas, nosso próprio balaio para administrar. Quero dar o direito de meu filho de usufruir da minha maternidade completa, sem pedaços arrancados por outros, para que ele possa me tirar o que lhe é de direito, tendo espaço para frustrações, dores, longas conversas, desentendimentos e até brigas, se for necessário, mas se eu lhe oferecer somente o que resta de mim, diante dos desgastes familiares, eu vou acabar esperando que ele supra ao invés de ser suprido; irei adoecer meu filho na sombra das coisas mal resolvidas de minha história.
A graça de Deus nos dá a oportunidade de, não somente ressignificar nossa história, mas também vê-la redimida. Não há nada que, colocado diante da cruz mude o resultado da Grande História: “Está consumado”! Cristo é o que nos permite enxergar os nossos queridos com clareza e realismo e, ao mesmo tempo, amá-los. Ele nos convida a iluminar as trevas de nossas cicatrizes familiares e a conter as projeções errôneas sobre nossos amados.
O Autor de Hebreus nos avisa: é necessário nos livrar não só do pecado, mas daquilo que nos atrapalha, para que possamos correr com perseverança a carreira cristã. Maternar faz parte dessa corrida. Pelo bem do meu filho quero ser curada daquilo que me atrapalha.
A Graça é o único pano de fundo que deve sobressair da minha história, e é um bom pano de fundo para Judá começar a dele.
“Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé”( Hebreus 12:1,2 a)
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